No artigo anterior (se você não leu, pode acessá-lo aqui), falamos sobre a relevância em se investir na formação de líderes. Neste artigo, contamos a história real da trajetória de um líder em uma experiência que uma de nós, a Ana Paula Russo Lopes teve a oportunidade de acompanhar. Segue o relato:
“Darei ao profissional o nome de João. Ele apresentava de forma consistente todas as características de desempenho que citamos no artigo anterior: batia todas as metas, não apresentava nenhum tipo de ruído com cliente, entregava satisfatoriamente toda a parte administrativa da função e dedicava-se ao trabalho com afinco e responsabilidade.
Logo seu “potencial” foi sendo reconhecido e algumas frases como: “o trabalho dele é excelente”, “o cliente está satisfeito”, “as vendas aumentaram”, “ele sempre está disponível, posso sempre contar com ele”, “ele é muito organizado, tem sempre as respostas que precisamos em tempo”. Estas frases mostravam resultados e comportamentos satisfatórios.
Até então, João não havia exercido um cargo de liderança, mas diante dos fatos, começou a ser procurado pelos colegas e passou a dar “dicas” de como ele próprio fazia seu trabalho. Esse é um movimento natural dos colegas quando percebem que a empresa está valorizando determinado desempenho.
Sendo assim, João foi promovido a supervisor da equipe e pouco tempo depois, a gerente. Inicialmente como supervisor, como era seu primeiro cargo como líder, seguiu rigorosamente as orientações do Diretor e iniciou sua gestão seguindo a cartilha da empresa.”
O curioso deste ponto, e já assistimos a isso em todas as empresas pelas quais passamos, é que nessa fase de “lua de mel” os Diretores parecem não precisar ouvir mais ninguém e nem mesmo se interessar em sinais que confirmem (ou invalidem) suas impressões por meio da percepção de outras pessoas.
Sim, estamos criticando essa postura, pois acreditamos firmemente que a equipe de um novo líder deva ser observada também de perto a título de confirmar – ou não – aquilo que os Diretores/Gerentes estão percebendo. É um fato que quanto mais alto é o cargo, menor a proximidade com a rotina do dia a dia, porém é nela que se escondem (ou aparecem) as primeiras demonstrações de comportamento que vão dar traço ao perfil de liderança do profissional.
Ou seja, sabemos e compreendemos que Diretores recebem informações já filtradas, organizadas para serem assertivas e focadas, colocando em pauta o mais relevante, com prós e contras de soluções já desenhadas. Obviamente correto, pois dependendo do nível de liderança na estrutura, não há mais tempo ou objetivo de se aproximar da rotina. Ram Charan fala sobre isso quando explica as diferentes etapas de transição do líder no seu livro “O Pipeline da Liderança”. Porém, a avaliação de um profissional não pode se dar apenas por indicadores tangíveis de desempenho. No longo prazo, estes poderão ser comprometidos pelas falhas de comportamento, caso elas existam e sejam exacerbadas. Continuando o caso em questão:
“A partir do momento em que João, já em uma posição de gerência, tornou-se mais confiante, naturalmente o Diretor foi distanciando o acompanhamento, como orienta a teoria da Liderança Situacional de Paul Hersey e K. Blanchard. Em contrapartida, João também já se sentia seguro e tinha todos os feedbacks positivos, e constantes, que reforçavam sua tranquilidade quanto ao seu desempenho.”
Aí, cabe mais um comentário: ousamos aqui colocar nossa opinião de que talvez este seja o momento crucial de alerta, pois ao longo da nossa jornada como Consultoras de RH, o que mais encontramos foram mudanças fundamentais de comportamento de líderes exatamente nesse momento, em que ganharam confiança e deixaram de se autointitular “novos na função”.
Foi naquele momento que surgiu no João, agora gerente, o tal “estilo próprio de gestão”, aquele que gostamos de acreditar que devemos ter para nos diferenciar dos demais líderes…
De volta ao caso: “para exemplificar o tal estilo e toque pessoais da gestão do Gerente João, novas regras foram criadas por ele na condução de sua equipe, como passar a exigir uma ligação dos profissionais ao início e término da jornada de trabalho (a reunião one on one adotada pela empresa já não era suficiente para o seu estilo próprio de gestão). As reuniões de equipe eram iniciadas com as informações dos clientes e até mesmo suas reclamações mais pontuais, o que inevitavelmente criava uma exposição negativa do Supervisor da equipe. Naturalmente, os números também eram apresentados e questionados, diante de todo o time durante a reunião e, com isso, os comentários e opiniões do João para seus supervisores liderados se transformavam, por vezes, em feedbacks corretivos ao vivo e em cores para toda a equipe.
Além dessas constrangedoras situações, a prioridade de acompanhamento dos Supervisores em campo, atividade orientada pela empresa de que fosse uma rotina, tornou-se foco para aqueles que tinham alguma questão com relação aos assuntos citados nas reuniões ou para aqueles que, de alguma forma, não estavam dispostos a cumprir as 12 horas de trabalho agora esperadas para os supervisores (segundo o Gerente: afinal os supervisores eram líderes e por isso, não deveriam se preocupar em cumprir carga horária, já que estavam em cargos de confiança). Desta forma, João conseguia, por meio da visita e intermináveis perguntas e situações que pedia para observar pessoalmente, que o acompanhamento daquele Supervisor se estendesse muito além do horário regulamentar. Ressaltando aqui que esta não era uma orientação da empresa e durante algum tempo não foi uma “informação” que chegasse à Diretoria.
As equipes também eram abordadas e acompanhadas pelo novo gerente a cada vez que um supervisor estivesse em outra tarefa, como uma reunião com cliente, treinamento ou atividade administrativa. Nesta oportunidade, a equipe era visitada de surpresa pelo João e questionada a respeito da rotina.
Por diversas vezes, algumas orientações dos Supervisores eram desconstruídas durante essas visitas-surpresa e somente depois comunicadas aos supervisores.
Outro ponto que posso citar refere-se ao ambiente de trabalho, que antes era mais descontraído, competitivo de forma saudável, tornou-se tenso, formal e desconfiado. Os supervisores não conversavam mais entre si e muito menos abriam a boca durante as reuniões de equipe. Passaram a documentar tudo e exigir formalização dos clientes sobre pedidos corriqueiros, que por sua vez passaram a ser fundamentais para garantir as explicações que teriam que dar mais à frente.
O time abaixo dos supervisores, já menos criativo, consultava a supervisão se estava autorizado a realizar determinadas ações, inseguro se isso não desagradaria o gerente. Afinal, tomar uma iniciativa qualquer poderia parecer “uma tentativa de deixar o gerente sem informação”. Esses são só alguns exemplos entre diversas outras situações.
Obviamente a rotatividade aumentou, as iniciativas diminuíram, e até mesmo o engajamento e prontidão do time diminuiu radicalmente. As pessoas estavam quietas.
Por outro lado, o gerente passou a considerar esse comportamento da equipe como falta de interesse: “eu preciso de uma equipe que vista a camisa da empresa, esse caras não estão com a gente”. Ouvi essa frase algumas vezes acompanhada de requisições de abertura de processos seletivos de substituição.
Esses são alguns dos exemplos mais dramáticos para nos ajudar a montar o cenário. Voltando aqui ao ponto do desempenho, os resultados agora eram alcançados parcialmente e a custo da rotatividade acima do previsto, pesquisa de clima com resultados preocupantes e pedidos de transferência para outras gerências aumentando.
Aquele comportamento de prontidão observado pela Diretoria em um primeiro momento revelou-se um comportamento workaholic exigido de todos; aquela organização e rapidez de respostas revelaram-se comportamentos de controle excessivo e desencorajamento de iniciativas.
Na época, quando chegamos a esse ponto, a Diretoria começou a se dar conta do que realmente estava acontecendo e a solução de retomada de uma aproximação para recondução “ao jeito de fazer as coisas” como eles acreditavam, já era, nesse caso, uma solução impossível.
A distância de valores e alinhamento de estratégia já era enorme. Era um caminho sem volta. A esse ponto, dificilmente um treinamento faria qualquer diferença nas questões de relacionamento já criadas de forma tão desagradável para todos os envolvidos.”
O desfecho da história foi a demissão do João.
Esse exemplo seria suficiente para incontáveis análises, mas direcionando para nosso tema de desenvolvimento da liderança, reafirma com clareza a importância de alinhar desempenho e comportamento. E assim, remetendo ao artigo anterior, é possível responder a pergunta sobre se é ainda necessário ou válido investir no desenvolvimento da liderança. E, ainda mais: o quão importante é atrelar esse desenvolvimento aos valores da organização. Sim, esse investimento é válido e relevante, principalmente, quando o foco é nas competências necessárias para o alcance dos resultados, sem perder de vista a importância de formar um time de liderança que atenda às diretrizes da empresa e que alimente o pipeline de líderes.
No próximo artigo, vamos apresentar nossa visão sobre a importância de se conhecer a organização antes de propor ações de desenvolvimento da liderança.