“Estamos com problemas de comunicação!”

Quem nunca ouviu essa queixa de um gestor? Mas, será que é o problema é “comunicação” mesmo?

Muitas vezes ouvi essa reclamação e na maioria delas os gestores tinham bons exemplos e argumentos para reforçar que precisávamos tratar do tema. Geralmente as queixas estavam se referindo a informações importantes que não chegavam para a todos os colaboradores ou eram distorcidas pelo caminho, mensagens importantes ignoradas porque foram ditas em entrelinhas ou até mesmo fragmentadas a cada nível da estrutura, entendimentos equivocados sobre posicionamentos da empresa, conversas informais que atrapalhavam o clima fomentando a famosa “rádio corredor”, projetos importantes mas não formulados a contento para convencer uma plateia exigente de Diretores, ideias/críticas perdidas por dificuldade de contribuir em público enfim, as mais diversas situações.

Para quase todas essas queixas sugerimos quadros de comunicação, jornais internos (isso é bem antigo…), intranet e treinamentos. Reforçamos diversas vezes em nossos treinamentos a importância de compreendermos o processo de comunicação em sua amplitude. Não há como esquecer dos esquemas Receptor – Mensagem – Emissor … Tardes inteiras abordando a importância e impacto da comunicação nas empresas. Muito embora seja importante deixar claro que todas estas são soluções pertinentes e muito importantes considerando a complexidade do tema! E além de pertinentes são de extrema assiduidade nos ambientes organizacionais.

Aproveito aqui para chamar atenção dos times de RH para acrescentar a essa lista de soluções para o tema comunicação, algo mais utilizado pela área de processos, mas totalmente adaptável a muitas situações: o quadro de gestão à vista. Trata-se de uma ferramenta muito eficiente quando o objetivo é tornar acessível a todos a evolução de um processo de melhoria, os resultados de uma equipe, aprendizados e todos os demais temas que se apliquem ao conceito de aplicação de um PDCA por exemplo, onde partimos de uma situação, aplicamos as melhorias/soluções, acompanhamos e corrigimos e alcançamos um novo patamar. É uma ferramenta acima de tudo democrática, preparada por todos, que se integra ao dia a dia e sobretudo amplia a visão da equipe para o que é mais relevante em termos de resultados a serem alcançados. Na nossa opinião, ferramenta valiosa que deveria fazer parte de mais portfólios em RH. Utilizei Quadro de Gestão à Vista para gestão do clima organizacional, com aplicação de PDCA. Sem sombra de dúvida, com forte impacto na adesão das pessoas ao processo e transparência elevada na concepção dos colaboradores! Mas essa ferramenta é tema para outro momento!

Voltando: apesar da importância das queixas e soluções sobre comunicação já citadas, gostaria de abordar a perspectiva da “franqueza” (ou falta dela) na comunicação.

Jack Welch, em seu livro Paixão por Vencer, dedica um capítulo exclusivamente ao tema. Ele cita o quanto podemos perder contribuições genuínas e importantes pela falta de franqueza comum na maioria das pessoas.

Jack Welch aborda a falta de franqueza como um aspecto comum ao ser humano independente de sua origem, formação, posição e etc. A falta de franqueza aparece como uma característica natural das pessoas e que em nada se assemelha a questões de ética ou desonestidade, mas apenas a um comportamento polido que as pessoas adotam para se relacionar com mais facilidade. Somos, em geral, educados assim.

Porém, quando o assunto é o ambiente organizacional, Jack Welch ressalta as três formas em que a franqueza nos ajuda a vencer: primeiro porque com franqueza é possível que mais pessoas participem genuinamente de uma conversa, e com mais pessoas, temos mais ideias. Mais debates, discussões e consequentemente aprendizados.

Em segundo lugar porque com franqueza temos mais velocidade, pois estamos mais rapidamente diante das ideias e de suas possibilidades de aprimoramento.

E em terceiro lugar, porque a franqueza reduz custos, pois somente a franqueza pode evitar slides intermináveis de pura enrolação!

E em tempo, vou acrescentar a esta perspectiva da franqueza a percepção do quanto equivocadamente estamos usando o “politicamente correto”. Digo equivocadamente, pois acredito na referência ao cortês, polido e educado. Aquilo que se propõe a ser dito com delicadeza, porém com verdade. No entanto, o que vejo atualmente é uma verdade distorcida a qualquer custo, para que nenhuma opinião, minimamente conflitante com o senso comum, seja exposta sob o risco de um debate profundo ao qual muitos não estão preparados ou dispostos!

O que me faz lembrar de Gustavo Franco em seu livro “Lições Amargas” onde ele diz que o politicamente correto é um ataque sistemático à expertise, ao uso do conhecimento especializado que inverte a ordem do incentivo positivo à crítica e torna as discussões absolutamente rasas.

Mas a principal reflexão que pretendo compartilhar aqui é a respeito de tudo aquilo que deixa de ser dito pelo comportamento quase universal de não ser genuinamente franco em nossas colocações. O que deixa de ser dito, principalmente no ambiente organizacional, pode ir desde simplesmente dar uma opinião sobre um assunto rotineiro até a complexidade de dar um feedback.

A gravidade da falta de franqueza em todas as situações será sempre proporcional ao impacto que a colocação geraria, mas que no caso do feedback é extremamente relevante para o indivíduo e para a organização.

Na minha opinião, feedback é, de longe, a primeira e mais importante ferramenta de desenvolvimento para qualquer empresa. Dificilmente trabalhei com um time de gestores que não precisasse de algum apoio no tema tal sua relevância para o desenvolvimento e condução de uma equipe.

Porém, em todos os workshops que montei ou ministrei pouco falamos diretamente a respeito de “franqueza”. Abordamos o tema conversa de feedback primeiramente com as técnicas mais utilizadas. Citamos metodologia CIC (Comportamento / Impacto / Consequência), SARAH para abordarmos como “digerimos” feedbacks, enfatizamos a questão da preparação, da importância de trazer exemplos concretos, de não rotularmos as pessoas, de construirmos ambientes de confiança, de não tornarmos o feedback insignificante com o modelo “sanduíche” (elogio / correção / elogio) e etc.

No mais, são treinamentos recheados pelos próprios gestores trazendo experiências (na maioria das vezes mal-sucedida) de conversas difíceis que giram em torno de aspectos éticos, questões constrangedoras como por exemplo o odor desagradável de um companheiro de trabalho ou aspectos sensíveis de comportamento como piadas, risadas ou tom de vozes inconvenientes que precisam ser ditos.

Mas na realidade não falamos profundamente sobre ser franco, ser genuinamente sincero com nosso colaborador. Não afirmamos aos gestores que conversas difíceis são irresistivelmente construtivas, que são nelas que mais aprendemos (ambas as partes). E que são através das mais genuínas contribuições que construímos times de verdade.

Sempre incentivei minhas equipes a me dizer absolutamente tudo que estavam pensando e fazendo. Muitas vezes nessas situações tive oportunidade de corrigir erros graves como intepretações equivocadas, processos frágeis e até de risco para a empresa, resolvemos questões de preconceito, pura falta de técnica ou mesmo má vontade!!!

Mas isso só era possível porque ser franco comigo, jamais resultou em uma punição, desagrado ou espanto. Sim, respirei fundo muitas vezes e pensei comigo como iria desconstruir aquilo que estava ouvindo do meu colaborador, mas quando confiamos um no outro podemos falar, podemos ser sinceros, podemos discordar e isso é genuíno, conquista as pessoas e nos faz pessoas melhores.

Lembro de uma situação também delicada com uma colaboradora da minha equipe com dificuldade de reconhecer suas potencialidades e limitações. A autoimagem da colaboradora era distorcida da realidade e muito visível aos meus olhos ao comparar os resultados individuais de cada um na equipe. Enquanto time a contribuição era a esperada na média: aquela que não leva o resultado pra baixo apesar de também não ser aquela que puxa pra cima

No entanto, a autoavaliação desta profissional sempre vinha na linha dos melhores da equipe. Eu também percebia que o time, apesar de se incomodar com autoestima elevada dela, acreditava fielmente nos relatos subjetivos do tipo “Minhas metas estão batidas” “Estou super bem nos meus resultados” e por aí vai. E sim, todos comentários verdadeiros, porém se colocados em um ranking, eu tiraria o “super” desta frase!

Mas enfim, compartilhávamos no Gestão à Vista os resultados da equipe, estávamos muito bem enquanto time, superando nossos desafios e trazendo a área para um lugar respeitável dentro da organização. Porém, meu desafio na posição de gestor era levar esta colaboradora a uma visão clara a respeito de suas próprias entregas dando-lhe a noção do quanto ainda havia para ser alcançado em seus resultados.

A dificuldade nesse tipo de situação vai além da conversa difícil, pois também temos o desafio de dar um feedback sem relatar o resultado individual de outro membro da equipe. Mas aqui vamos focar na conversa difícil: precisava ser dito para esta colaboradora que ela não era uma referência técnica para a equipe, que seus resultados não eram os melhores como ela achava que eram e que a equipe não a reconhecia como uma referência.

Assim foi feito, utilizei todas as técnicas que temos disponíveis e com franqueza posicionei-a sobre sua entrega em relação ao time. A conversa foi bem difícil, sobretudo pela surpresa e pela desconstrução de autoimagem. Mas posso afirmar que essa colaboradora iniciou um processo de mudança interno, mostrando-se muito mais aberta a ouvir os colegas e tentar descobrir potencialidades nos outros para acrescentar as suas.

E o resultado começou a vir rápido: a exemplo de uma de suas metas que antes era alcançada a custo de muito esforço (e com a crença de que o problema era do processo e não dela) e que, para sua surpresa, era uma das metas mais fáceis para toda a equipe e alcançada por ela em pouco tempo com a simples mudança em uma rotina e muito menos esforço!

Mas você deve estar se perguntando, por quê? Por que falar isso pra ela? Pra que esse trabalho e essa conversa difícil? Porque acredito que somente quando temos autoconhecimento sobre nossas reais possibilidades de entrega estamos prontos para nos desenvolver e superar nossas próprias metas, aquelas que nós mesmos nos impomos todos os dias! E porque sim, se você é um gestor, uma de suas atribuições é desenvolver as pessoas e para isso, você precisa dar feedback.

E aqui chegamos ao ponto: feedback franco, genuíno, com verdade, com intuito de realmente ajudar e promover uma mudança positiva.

Desta forma, devemos refletir se o principal problema de comunicação está de fato relacionado a nossa incapacidade de equilibrar a franqueza em nossas interações sem perdermos a capacidade de sermos assertivos a favor de melhores resultados pra todos.

Acredito que muitas das demais soluções que encontramos na frente da comunicação, em algum momento cruzaram com uma conversa pouco assertiva que poderia ter minimizado a situação.

Mudar um comportamento universal será difícil, mas nós do RH podemos aprofundar na questão da comunicação trazendo o aspecto da franqueza para nossa consultoria a empresas, para nossos treinamentos sobre Feedback, para nossas conversas de orientação e mentoria a gestores, ampliando nossos diagnósticos e trabalhando em projetos bem estruturados de gestão de mudanças e consequente transformação da cultura organizacional. Onde o comportamento de ter uma conversa franca seja um valor praticado por todos!